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Análise fílmica: a “Poética do Filme” (GOMES, Wilson)

Prof. Cristiano Canguçu Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia

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A metodologia Poética do Filme deriva seu nome do tratado de Aristóteles sobre dramaturgia (“Arte Poética”). Dois lados da Poética aristotélica:  Descritivo  – analisa a arte narrativa da sua época e deduz os seus princípios básicos; Prescritivo  – deriva, desses princípios, recomendações estéticas. Do lado  prescritivo  de Aristóteles derivou o cânone teatral renascentista (depois criticado por Bertold Brecht).

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Dois movimentos do lado  descritivo  da Poética:  Estrutural  – descrever os  elementos estruturantes  de toda representação dramática; Pragmático  (dinâmico) – analisar cada tipo de poesia conforme seus efeitos próprios, ou seja, sua  destinação , ou “prazer próprio do gênero. Ênfase nos efeitos emocionais ( pathos , “paixões da alma”, afecções anímicas), como os característicos da tragédia: Temor : emoção que se dá ao se ver um semelhante em desventura; Compaixão : emoção resultante de ver alguém infeliz sem o merecer.

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Rediscussão do conceito de “poética”: Restabelecer o sentido original do termo:  composição ( poiein ); Que resulta nas “obras do espírito” (quaisquer obras de arte). Incorporação da hermenêutica do século XIX:  Obra como  produção de efeitos hipotéticos  de encantamento; Prevendo e antecipando a  cooperação  de um fruidor possível; Reconhece-se a divergência de interpretações e de fruições, pois toda obra expressiva é  aberta  em certa medida.

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Natureza  dinâmica  da obra de arte: Estética como a  análise da experiência artística  (fazer e apreciar). Experiência que inclui tanto a “ feitura”  como a “ leitura”  da obra.  Sem um intérprete para  executá-la , não há obra.  Experiência orientada pela  intenção formativa  (“forma formante”) da obra.  “ O produtor prevê e regula as execuções futuras ao se pôr no lugar dos intérpretes e fruidores futuros, mas é a  obra  que contém, ou não, as instruções e os percursos para as suas próprias execuções ”.

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Maior discussão das “formas formantes”, ou “poéticas”: “ os programas ou projetos de formação ou estruturação da obra de arte onde se inscrevem as intenções operativas dos produtores de obra de arte, da música à literatura, da arquitetura às artes plásticas ” Poética da Obra Aberta: Exploração proposital da  ambiguidade  e da  indeterminação  dos efeitos de interpretação e fruição.  Música:  Karlheinz   Stockhausen  e Pierre Boulez; Literatura: Franz Kafka, Marcel Proust, James Joyce; Teatro: Bertold Brecht, Samuel Beckett; Cinema: Michelangelo Antonioni, Jean-Luc Godard.

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Texto (obra) e interpretação :  Texto  como conjunto de  instruções  que depende da  cooperação  de um leitor para fazer sentido (“máquina preguiçosa”); Intentio  auctoris : o que o autor quis dizer (só ele sabe); Intentio  lectoris : o que o leitor entendeu (depende de cada um); Intentio  operis   (“formas formantes”): a estratégia interna da obra, inacessível diretamente e objeto da  conjectura  do leitor (seguindo a coerência e as convenções textuais).

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Regras e finitude da interpretação: Textos podem ter muitos significados, mas não  todo e qualquer um : Não há critérios de  boa  interpretação, mas pode-se  descartar  as ruins (Popper). “ Se há algo a ser interpretado, a interpretação deve falar de algo que deve ser encontrado em algum lugar, e de certa forma respeitado ”.

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Perspectivas de análise do filme como obra de arte: Análise  externa:  compreender o mundo exterior e a nós mesmos, tratando a obra como um sintoma ou reflexo privilegiado; Análise  interna : foco nos elementos e na construção da própria obra individual. Como definir critérios para a análise interna que respeitem os aspectos  dinâmico  e  múltiplo  da arte?  A análise da arte – que almeja ser  singular  – não dispõe dos critérios científicos ( ex : verificabilidade, replicabilidade,  recondutibilidade  e redução aos elementos básicos).  Mas a análise deve dispor-se ao controle intersubjetivo, apresentando evidências razoáveis a uma  comunidade interpretativa .

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Dinâmica do filme como objeto artístico: Sendo objetos artísticos construídos para afetar nossa  sensibilidade , lidamos com eles por meio de nossas  reações  individuais;  Características como “belo”, “engraçado”, “assustador”, “empolgante”, “frustrante”, “dramático” ou “sem-graça”, são atribuídas aos filmes, mas na verdade dizem respeito às nossas próprias reações; Porém, não há reação unânime – reações e interpretações são variadas.

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Diagrama

Descrição gerada automaticamente

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A obra deve ser analisada em função da sua  destinação  (efeito):  Gêneros reconhecidos têm efeitos apropriados, para os quais se organizam os elementos e as estruturas das obras.  A criação é vista como  composição,  que seleciona e arranja  elementos  artísticos que produzem  efeitos  na apreciação.  Não há determinismo inequívoco: o artista  tenta prever reações à sua obra, mas não tem acesso direto à intimidade dos apreciadores.

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A análise poética como o processo inverso da composição: Estudar os  efeitos  da composição e da sua relação com as  estratégias  compositivas, identificando os  elementos  que solicitam determinados efeitos; Partir, portanto, da reação (“experiência fílmica”) do próprio analista para, então, identificar os recursos fílmicos mais importantes e reconstruir o programa que rege a obra.

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Recursos : meios ou materiais organizados e dispostos para a produção de efeitos: Visuais (aspectos fotográficos, de composição visual e montagem); Cênicos (performance e marcação de atores, cenários, figurinos); Sonoros (música, sonoplastia, dicção dos atores, narração em  off ); Narrativos (estória, argumento, enredo, reviravoltas e desfechos). Estratégias: sua  organização  e  estruturação  para os efeitos esperados.

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Efeitos: a  efetivação  do filme enquanto resultado. S ensoriais : sensações básicas (velocidade, choque, repouso). C ognitivos , ou semióticos: fazer sentido, dizer algo, fazer pensar (mensagem, alegorias, etc.). E mocionais : sentimentos, estados de ânimo, sejam “graves” (horror, compaixão, medo), ou “leves” (graça, empolgação).

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Filme como composição formada pela interação de elementos: Consiste uma ou mais estratégias, que agenciam diversos recursos para a produção de um ou mais efeitos principais.  Disputa histórica pela predominância de um  tipo  de estratégia:  Crítica e movimentos artísticos debatem: o cinema deveria passar mensagens (vanguardas políticas), gerar sensações (vanguardas estéticas) ou produzir sentimentos?  O terceiro tipo é injustamente menosprezado, desde a estética romântica;  Dada a importância das emoções em nossas experiências na arte e no cinema, é preciso retomá-las.

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ARISTÓTELES.  Poética . Lisboa:  Calouste   Gulbenkian , 2004. [335 A.C.] ECO, Umberto.  Obra Aberta : forma e indeterminação nas poéticas contemporâneas. São Paulo: Perspectiva, 2005. [1962] GOMES, Wilson. Estratégias de produção do encanto: o alcance contemporâneo da Poética de Aristóteles.  Textos de cultura e comunicação , Salvador, n.35, p.99-125, 1996.  ______.  La poética del cine y la cuestión del método en el análisis fílmico.  Significação , Curitiba, v.21, n.1, p.85-106, 2004a. ______. Princípios da Poética (com ênfase na Poética do Cinema). In: PEREIRA, Miguel et al ( Orgs .).  Comunicação, representação e práticas sociais . Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2004b. PAREYSON, Luigi.  Estética : teoria da  formatividade . Petrópolis, RJ: Vozes, 1993. [1954]. VALÉRY, Paul. Primeira aula do curso de poética. In:  Variedades . São Paulo: Iluminuras, 1999. [1938].

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